Autoria: Advogada Camila Oliveira, especialista em Direito de Família e Sucessões
O papel das mães solo no Brasil é um tema urgente e, muitas vezes, negligenciado. Essas mulheres, que assumem sozinhas a responsabilidade pela criação e sustento dos filhos, enfrentam desafios que vão muito além do emocional e financeiro. A sobrecarga materna é uma realidade cotidiana, agravada pela falta de políticas públicas, apoio familiar e reconhecimento social.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 11 milhões de mulheres no Brasil são mães solo. Elas são chefes de família e, em muitos casos, acumulam jornadas triplas: trabalho formal ou informal, cuidado doméstico e a criação integral dos filhos. No entanto, esse esforço diário ainda é subvalorizado pela sociedade e pelo ordenamento jurídico, perpetuando desigualdades que afetam não apenas essas mulheres, mas toda a estrutura familiar.
A sobrecarga invisível
O conceito de “trabalho invisível” refere-se às atividades não remuneradas que sustentam a vida familiar e comunitária. Para as mães solo, isso significa gerir todos os aspectos da vida de seus filhos sem suporte direto, seja financeiro, emocional ou logístico. Essa carga é amplificada pela ausência de corresponsabilidade parental, já que, em muitos casos, o outro genitor não cumpre com as obrigações básicas, como a pensão alimentícia.
Levantamentos feitos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que a maioria dos processos relacionados à pensão alimentícia no Brasil tratam de inadimplência, deixando as mães solo sobrecarregadas para suprir integralmente as necessidades dos filhos. Essa realidade coloca em evidência a ineficiência do sistema jurídico em garantir o compartilhamento equitativo das responsabilidades parentais.
Além disso, a exclusão dessas mulheres do mercado de trabalho é um reflexo direto da falta de políticas públicas adequadas. Apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) proteger gestantes e lactantes, não há medidas específicas que contemplem mães solo. A ausência de creches públicas em número suficiente e o custo elevado das privadas tornam quase impossível para muitas dessas mulheres conciliarem trabalho e maternidade.
O impacto na saúde mental e no futuro dos filhos
Estudos apontam que a sobrecarga materna afeta diretamente a saúde mental das mães solo. Mulheres que acumulam múltiplas jornadas têm maior probabilidade de desenvolver quadros de ansiedade e depressão. Essa situação também repercute na vida das crianças, que, em muitos casos, crescem em ambientes com menos suporte emocional devido ao esgotamento da mãe.
Caminhos para mudança
Reconhecer o trabalho invisível das mães solo é um passo fundamental para promover a equidade de gênero e fortalecer as famílias brasileiras. Isso requer tanto mudanças culturais quanto avanços legislativos.
Entre as medidas urgentes podemos elencar:
• Fortalecimento da fiscalização e penas mais rígidas no caso de descumprimento das obrigações referentes às pensões alimentícias, garantindo assim que o ônus financeiro não recaia exclusivamente sobre as mães.
• Ampliação de vagas em creches públicas e incentivos fiscais para empresas que contratam mães solo, promovendo maior inserção no mercado de trabalho.
• Educação para corresponsabilidade parental, incentivando uma divisão mais justa das tarefas entre ambos os genitores, mesmo após a separação, entre outras medidas…
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, estabelece que a família é a base da sociedade e deve ter proteção especial do Estado. Essa proteção, no entanto, precisa se materializar em políticas concretas que garantam igualdade e suporte às famílias monoparentais.
Como advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, tenho acompanhado de perto os desafios enfrentados pelas mães solo no Brasil. É evidente que a sociedade e o sistema jurídico ainda têm um longo caminho a percorrer para reconhecer e valorizar o trabalho invisível dessas mulheres.
O reconhecimento social e jurídico desse esforço não é apenas uma questão de justiça, mas também de eficiência social e econômica. Quando valorizamos o papel das mães solo, investimos em uma sociedade mais justa, fortalecemos o vínculo familiar e garantimos melhores condições para o desenvolvimento das futuras gerações.
Por fim, é essencial promover um debate amplo e contínuo sobre esse tema, envolvendo todos os setores da sociedade. As mães solo não devem carregar sozinhas o peso de sustentar a base familiar. Elas merecem reconhecimento, suporte e, acima de tudo, dignidade.