A superexposição de crianças na internet: direitos, limites e as consequências invisíveis

O compartilhamento de fotos e vídeos dos filhos nas redes sociais se tornou um fenômeno. Muitos pais, encantados com os momentos do cotidiano das crianças, publicam registros diários sem avaliar os impactos dessa exposição. O que antes ficava restrito às paredes de casa ou álbum de família, hoje se torna público, podendo chegar a milhões de pessoas. Mas quais as consequências jurídicas e emocionais dessa prática?

O direito da criança e do adolescente e a proteção de sua imagem

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 17, garante à criança o direito à privacidade e resguardo da sua intimidade. Além disso, o artigo 232 do ECA prevê sanções para aqueles que submetem a criança a situações que possam prejudicar sua dignidade. O problema da exposição excessiva é que ela não considera a vontade da própria criança, que pode futuramente não se sentir confortável com essas publicações.

No caso de influenciadores digitais, como Virgínia Fonseca, a exposição dos filhos vai além de momentos esporádicos. A rotina das crianças é transformada em conteúdo monetário, com vídeos diários compartilhados com milhões de seguidores. Mas até que ponto essa prática respeita o direito dos pequenos?

Os impactos da superexposição no desenvolvimento infantil

A infância é um período de desenvolvimento emocional e psicológico. Quando uma criança cresce sob os holofotes das redes sociais, sua percepção sobre privacidade e individualidade pode ser distorcida. Além disso, há riscos reais, como o uso indevido de imagens por terceiros, cyberbullying e dificuldades na formação da identidade.

Um dos pontos mais delicados é a exposição sem consentimento consciente da criança. Hoje, ela pode achar divertido participar dos vídeos, mas no futuro, pode se sentir invadida e vulnerável. A imagem e história da criança já foram moldadas publicamente, sem que ela tenha tido a oportunidade de construir sua própria narrativa.

Conflitos familiares expostos: a intromissão digital na vida privada

Outro problema é a exposição de conflitos familiares nas redes sociais. Discussões entre casais, desentendimentos com filhos e desabafos públicos podem gerar consequências graves. A intimidade da família deve ser preservada, pois os desentendimentos compartilhados podem resultar em danos emocionais, desgastes nos relacionamentos e até a judicialização de conflitos.

Além disso, expor problemas conjugais ou disputas pela guarda de filhos pode ser interpretado como alienação parental, prevista na Lei n.º 12.318/2010. Situações desse tipo podem impactar processos judiciais, afetar a saúde mental dos envolvidos e, principalmente, prejudicar o bem-estar das crianças.

Privacidade e segurança: o perigo que não se vê

Não podemos esquecer que redes sociais também são espaços de vulnerabilidade. Expor crianças na internet aumenta o risco de:

  • Uso indevido de imagens por terceiros;
  • Localização exposta, facilitando ações criminosas;
  • Violação de privacidade, gerando impactos futuros na vida adulta.

Muitos pais só percebem essas ameaças quando já é tarde demais. E o que foi publicado na internet dificilmente pode ser apagado completamente.

Danos morais e responsabilidades legais

Pais que expõem excessivamente seus filhos podem ser responsabilizados judicialmente. O direito à imagem e privacidade é protegido pelo Código Civil (art. 20 e 21) e pelo Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Casos de exposição que resultem em prejuízos emocionais podem gerar indenização por danos morais.

Além disso, se a exposição envolver conteúdo vexatório, humilhante ou que exponha a criança a situações constrangedoras, pode ser considerada uma violação de direitos, sujeita à intervenção do Conselho Tutelar e órgãos competentes.

Os limites da exposição infantil nas redes sociais

A presença digital das crianças deve ser conduzida com responsabilidade. Eis algumas recomendações para os pais:

✔️ Evite postar detalhes sobre a rotina da criança (escola, localização, horários);
✔️ Peça consentimento (quando a criança for maior e capaz de compreender);
✔️ Evite expor momentos constrangedores ou de vulnerabilidade;
✔️ Reflita se a publicação beneficia a criança ou apenas os pais.

Conclusão

A exposição de crianças nas redes sociais é uma realidade que precisa ser debatida com seriedade. O que pode parecer apenas uma postagem inocente hoje, pode ter repercussões irreversíveis no futuro. O direito da criança à privacidade deve sempre prevalecer sobre a vontade dos pais de compartilhar sua rotina.

Antes de postar, pense: essa memória é da criança ou minha? Se a resposta for a segunda opção, talvez seja melhor guardá-la no álbum de família. O melhor presente que podemos dar aos nossos filhos é o direito de escolher como querem ser vistos no mundo.

Por Dra. Camila Oliveira, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões

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